Monday, January 22

Parte da lei de estrangeiros portuguesa está em “contracorrente com a UE”

 A investigadora Ana Rita Gil considera que parte da lei de estrangeiros portuguesa está em “contracorrente com a União Europeia”, permitindo a regularização a quem está ilegalmente, o que pode alimentar discursos populistas anti-imigrantes na campanha eleitoral.

“Estes artigos, cada um com os seus requisitos, permitem, de facto, que uma pessoa entre ilegalmente, com visto de turista e não munida dos documentos necessários para o efeito, e depois vá ficando, vá trabalhando e, passado um ano com descontos, peça a regularização”, afirmou a docente do Lisbon Public Law (Centro de Investigação em Direito Público da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa).

Por causa deste quadro legal, “já noto um discurso a começar a surgir na população de reação dos portugueses ao aumento exponencial da imigração”, disse.

“É claro que se diz que os emigrantes contribuem muito para a segurança social”, mas “a habitação, os hospitais e os serviços públicos não são infinitos” e “as capacidades de acolhimento materiais não se esticam”, salientou a investigadora.

“Eu acho que isto vai ser um tema de campanha” eleitoral e “tenho algum receio que isto leve a uma subida da extrema-direita ou dos discursos mais extremistas”, considerou Ana Rita Gil.

O artigo 88 da lei de estrangeiros permite autorizações de residência a cidadãos de outros países que tenham entrado de modo legal em Portugal, através de uma manifestação de interesse, desde que tenham “contrato de trabalho celebrado nos termos da lei e estejam inscritos na segurança social”. E o artigo seguinte trata da “autorização de residência para exercício de atividade profissional independente ou para imigrantes empreendedores”.

Estes dois artigos permitem a qualquer estrangeiro que tenha entrado como turista se possa candidatar a autorizações de residência desde que, no prazo do visto, tenha começado a trabalhar para uma empresa a Portugal. Esta situação é, segundo vários especialistas, o motivo do volume elevado de processos pendentes de regularização, estimados em 300 mil pedidos.

Na lei atual, “nós criámos o visto de procura de trabalho para tentar incentivar as pessoas a virem logo legalmente, só que depois não nos lembramos que os nossos consulados não têm pessoal suficiente e também não estão a conseguir dar resposta” aos pedidos, pelo que “as pessoas acabam por preferir continuar a vir ilegalmente”.

E depois, em Portugal, “as pessoas ficam sujeitas a situações de exploração” pelo que a prioridade do Estado deveria “ser reforçar incentivos a virem logo legalmente”, em vez de entrarem de modo irregular.

Integrado na União Europeia, “Portugal não tem muita liberdade para fazer muita coisa” na lei de estrangeiros, salientou a jurista, considerando que o “artigo 88 e o artigo 89 foram criação peregrina do Estado português”, completamente em “contracorrente com o resto da União Europeia, que “desde 2008 está a dizer que não há regularizações em massa”.

E também “estamos em contracorrente com esta autorização CPLP [Comunidade dos Países de Língua Portuguesa], com o processo de incumprimento na União Europeia por causa disto, porque demos esta autorização para acabar com os atrasos [dos processos] e nós não temos propriamente competência para criar autorizações de residência como modelos que não são reconhecidos no espaço Schengen”.

Porque “nós não podemos inventar visto sozinhos”, resumiu.

Estes artigos vão contra “o histórico de decisões do Conselho Europeu” que tem feito recomendações contra este tipo de medias que geram um “efeito de chamada” de imigrantes que buscam a Europa para um estado-membro mais permissivo, acrescentou ainda.

Fonte: Executive Digest com Lusa

Wednesday, January 3

A onda migratória e a crise da habitação

Portugal abarca hoje duas realidades muito distintas, às quais correspondem diferentes níveis de conforto, de segurança, diferentes prioridades sociais e culturais e, consequentemente, diferentes posturas político-partidárias. Essa é a grande cisão que irá definir as eleições legislativas de 10 de Março.

A crise habitacional é um dos melhores exemplos que divide o país por níveis de conforto e diferentes níveis de inquietação na gestão das necessidades mais elementares da vida. Lamentavelmente, o debate de soluções tem concentrado as atenções do lado da oferta insuficiente, constatando-se o óbvio, e pouco ou nada se fala do que influencia o lado da procura. É ponto assente que existe um problema grave que reclama resolução rápida e eficaz, mas não são discutidas formas de mitigar a extrema afluência populacional em áreas já muito sobrelotadas.

Ora, face à pressão na escassa oferta imobiliária, não é sensato lançar promessas de projectos de construção colossais e inexequíveis no curto e médio prazo, se os mesmos decisores políticos se demitem de abordar aquilo que se passa do lado da procura. Tais propostas revelar-se-ão uma luta inglória, especialmente face à pressão brutal e repentina exercida pela entrada massiva de imigrantes no mercado da habitação. E devemos sublinhar o factor da imigração porque é certamente o mais inédito, o mais permanente e o mais pesado de todos os possíveis factores que contribuem para essa escassez de moradias acessíveis.

Enquanto a esquerda faz campanha através da simples diabolização dos senhorios, ignorando as leis da oferta e da procura, alguma direita defende a construção como remédio para todos males, através da desburocratização dos processos de construção. Mesmo reconhecendo a necessidade de se investir numa política abrangente de habitação acessível e de desburocratizar os processos de licenciamento, é impossível pensar em resolver a crise da habitação sem reconhecer que a chegada incessante de novos residentes vai continuar a impulsionar a subida dos preços da habitação nas principais cidades portuguesas.

Note-se ainda que os portugueses que vivem sozinhos ou os agregados familiares com baixos rendimentos são especialmente penalizados face ao poder aquisitivo de grupos de imigrantes ou de famílias muito alargadas que dividem custos e habitam uma mesma moradia.

Além disso, a oferta habitacional de carácter social é geralmente absorvida em grande medida por estes novos residentes estrangeiros, como se verifica em Londres, onde cerca de metade destas casas são habitadas por famílias chefiadas por pessoas que nem sequer nasceram no Reino Unido. Isto transforma a própria ideia e vocação que associamos à habitação social. Num artigo publicado em Dezembro no “The Spectator”, o académico Matthew Goodwin refere que o Reino Unido, em 2022, registou uma taxa líquida de imigração de 745 000 e que o governo só conseguiu construir 204 000 casas, muito aquém da meta desejada.

Só para responder à procura gerada pela imigração, o esforço de construção teria de triplicar. Isso evidencia não só que o esforço de construção não consegue dar vazão à procura, como também que essas pequenas conquistas no parque habitacional são rapidamente sugadas pelas necessidades de procura dos novos residentes.

Nem todos os portugueses estarão sensíveis a estas tendências, mas cresce uma indignação silenciosa entre aqueles que se sentem empurrados para periferias de difícil acesso, com serviços públicos escassos, sobrelotados e congestionados. Considerando a pequena dimensão das nossas zonas metropolitanas, é impossível confiar em soluções simplistas, especialmente quando o país duplicou o número de imigrantes no espaço de 10 anos, tendo acolhido, só ao longo de 2022, mais de 120 mil novos imigrantes.

Enquanto o partido socialista se apresenta aos portugueses com mensagens em favor de um “país inteiro” e alguma direita preconiza o imperativo moral de acolher cada vez mais e melhor quem nos procura, como se os recursos fossem infinitos, os portugueses vão tendo de lidar com a dura realidade de uma paisagem urbana descaracterizada, de serviços públicos sobrecarregados e de rendas incomportáveis.

Num país socialmente tão fracturado, é urgente dar toda a atenção ao impacto que esta pressão exerce na deslocalização da população autóctone, bem como às dificuldades dos jovens no acesso à habitação própria e à realização dos seus desígnios individuais e familiares. É verdade que é necessário encontrar soluções para a excessiva concentração urbana, especialmente quando se vulgariza a tipologia de residência unipessoal, também um factor que pressiona a procura.

No fim do dia, toda esta questão recorda-nos que a sobrevivência na cidade – incontornável centro agregador de oportunidades económicas, sociais e culturais – é uma luta permanente em que só vencem aqueles que se juntam e cooperam entre si. Os primeiros a cair são aqueles que estão sozinhos, sem laços comunitários e com famílias pequenas ou desintegradas. Como sempre, “the winner takes it all, the loser has to fall”. Enquanto o vencedor açambarca tudo, o vencido tem de cair.

Daniela Silva, Investigadora do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa

Fonte: O Jornal Económico, 03.01.2024

Friday, June 16

Assaltos a casas estão a aumentar

Zonas costeiras e segundas habitações são os alvos preferidos. Chegada do verão deve aumentar as ocorrências. Investir em bons sistemas de alarme pode ser a solução.

Foram cerca de 50 os assaltos a casas que se registaram por dia no último verão, sobretudo nas zonas costeiras de Portugal, segundo dados recentes da GNR e da PSP. Este ano, o cenário não é diferente e, neste momento, já se verifica "um aumento" do número de assaltos a domicílios. "Segundo dados de algumas empresas do setor, o número de assaltos ou tentativas de assalto nos primeiros cinco meses do ano no Algarve aumentou 13% quando comparado com o mesmo período do ano passado. No Alentejo, já aumentaram mais de 50%. Por isso, esperamos que o mesmo venha a acontecer no verão, que é quando se verifica este aumento de assaltos devido às férias de grande parte da população", explica Luís Quintino, especialista em segurança.

Entre os fatores que têm contribuído para o "disparar" deste tipo de ocorrências em zonas tipicamente de férias ou fim de semana estão o crescente número de segundas habitações em Portugal, sendo que "as casas desocupadas representam para os assaltantes um menor risco de serem apanhados", bem como "a conjuntura económica atual que não é a melhor devido aos vários fatores bem conhecidos".

As regiões onde as tentativas de assalto mais têm vindo a aumentar desde 2021 – aponta Luís Quintino – são Coimbra, com um crescimento de 40%, 34% em Leiria, 30% no Alentejo, 20% em Aveiro, 10% no Porto e 9% em Lisboa.

Uma nota ainda para a realidade de teletrabalho que trouxe uma alteração da tipologia de assaltos praticados. "Devido ao maior número de pessoas em teletrabalho, as incidências de homejacking têm aumentado. Os assaltos ocorrem com os proprietários no interior das suas habitações, os quais tendem a defender a sua propriedade, originando momentos mais violentos."

Fonte: Correio da Manhã de 16.06.2023


Thursday, April 17

Parlamento discute exclusividade dos deputados


O Parlamento discute hoje um projecto do BE que exige aos deputados o exercício da função em exclusividade. Dos 230 deputados, a maioria já o faz.

Segundo dados remetidos ao SOL pelo Gabinete do Secretário-Geral da Assembleia da República, ascende a 124 o número de deputados que exercem o cargo em regime de exclusividade.

E quem opta por ser exclusivamente deputado tem direito a receber mais 10% do vencimento bruto em ajudas de custo, de acordo com o Estatuto Remuneratório dos Titulares de Cargos Políticos. Mais 325,88 euros por mês.

O BE quer impor a exclusividade aos deputados, enquanto o PCP propõe mais restrições. Iniciativas já apresentadas em sessões legislativas anteriores e que terão o mesmo destino: o chumbo.

PSD e CDS têm rejeitado alterações «pontuais» à organização do sistema político. «Estamos a lidar com matérias da maior responsabilidade e discordamos frontalmente de uma discussão medida a medida, que não vai resolver nada, ainda mais em período eleitoral, que é o pior período para uma discussão séria», explica ao SOL Fernando Negrão. O deputado social-democrata frisa que o partido quer discutir o sistema político como um todo e que tem feito propostas nesse sentido. E ressuscita o tema da redução do número de deputados. «Uma prioridade», diz, explicando: «Na Constituição há um número mínimo e máximo de deputados. Porque não se discute estarmos há 40 anos com o número máximo?»

Contudo, entre os deputados da maioria, há quem defenda a exclusividade. «Não resolveria todo o problema da credibilização da classe política. Mas era um passo importante. Só que não há vontade política», admite o Presidente da Comissão de Ética do Parlamento, Mendes Bota.

Já o PS também recusa uma discussão «avulsa e desintegrada», a pouco tempo de eleições. «O PS tem vários projectos de lei preparados com alterações ao sistema político e eleitoral, mas não os vamos apresentar em vésperas de eleições», afirma o deputado socialista, José Magalhães.

Fonte: SOL, 17.04.2014

Tuesday, April 1

A simplicidade de análise e as contra-ordenações


Poucos terão noção da distinção entre crime e contra-ordenação. Poucos conhecerão a sua história, e aquilo em que as contra-ordenações se tornaram. Mas a propósito de caso com projecção mediática desferem-se violentos ataques à justiça portuguesa. Vamos por partes. As contra-ordenações nasceram em 1979 mas o seu regime (ainda hoje aplicável) data de 1982.

O princípio básico era, à época, relativamente simples de enunciar: importava tutelar "uma área em que as condutas, sem constituírem ofensas graves aos bens essenciais da vida em comunidade, são, apesar disso, merecedoras de sanção". Foi esta frase que o legislador escreveu em 1989 quando fez a primeira revisão ao regime geral. Havia um "movimento de descriminalização" e esse movimento era um sinal da "moderna política criminal". Ou seja, porque nem tudo podia ser crime, criou-se um regime para punir coisas mais simples, menos graves. Mas o legislador descontrolou-se (ou deixou que o descontrolassem) e muita coisa que não deveria ser (não poderia ser!) contra-ordenação passou a ser qualificada como tal. A determinada altura desta história passou a admitir-se com grande facilidade que se aplicassem multas de milhões. Multas muitas vezes superiores às multas penais mas aplicadas com um regime simplificado. Como diria o outro, "só para facilitar".

O legislador deixou que fossem qualificadas como contra-ordenações as condutas "menos graves" mas também as "muito graves" e aquelas que agora são agora consideradas "gravíssimas". Só que o regime estava (e está) preparado para coisas mais pequenas, coisas que não causavam tanto impacto social. O legislador foi deixando correr a maré, despreocupado, mas cuidando de multiplicar o âmbito das contra-ordenações.

Há hoje contra-ordenações rodoviárias, ambientais, de concorrência, de supervisão e de regulação entre tantos outros domínios. Matérias de grande complexidade mas todas tratadas "na mesma moeda" como se um excesso de velocidade se tratasse. E com regras adaptadas a essa simplicidade. Incluindo as regras de prescrição. Por esse motivo, aliás, e por se tratar de matéria simples que não interessava muito, o legislador mexeu no regime 5 vezes desde 1982. Mas o Processo Penal foi alterado 20 vezes. E no mesmo período fez um novo Código Penal e introduziu-lhe 29 alterações... Talvez seja uma questão de prioridade. Ou uma inconsciência total e absoluta.

Como é evidente o regime das contra-ordenações tem problemas gravíssimos de aplicação, de adequação e de proporcionalidade. Não apenas um. Muitos. É difícil, aliás, escolher em que ponta começar. Mas agora que a discussão vem a lume, procuram-se culpas e responsabilidades. Talvez o problema não esteja numa árvore ou num processo. Numa decisão ou numa interpretação. O problema vem desse descontrole legislativo e na mania, que começou nos anos 90, em simplificar na justiça, aquilo que é por definição complexo. Pode ser que o debate se inicie com a necessária ponderação. Mais do que rever apenas uma ponta do regime importa ver se tudo isto faz sentido. Se o regime que pune o excesso de velocidade serve, afinal, para punir condutas que no debate público são consideradas tão graves e infames e cujas sanções podem, afinal, não ter limites pecuniários.

Paulo Farinha Alves
(Advogado, especialista em direito penal e sócio da PLMJ)

Fonte: Jornal de Negócios on line, 30 de Março de 2014


Saturday, August 24

Tribunais e Democracia


Os estudos que tenho realizado ao longo dos anos sobre o papel e o desempenho dos tribunais em Portugal e outros países mostram que desde a década de 1990 o protagonismo social e político dos tribunais tem vindo a aumentar um pouco por toda a parte. Este protagonismo é particularmente visível no caso dos tribunais constitucionais (TC) e dos supremos tribunais com competência constitucional (STJ).

As causas variam segundo o contexto, mas é possível agrupá-las em três grandes conjuntos: as transições políticas; a crise de legitimidade dos outros órgãos de soberania (o poder legislativo e o poder executivo); e a maior consciência dos direitos e da violação dos direitos por parte dos cidadãos, combinada com o maior acesso ao direito e aos tribunais. 

As transições políticas que determinaram o protagonismo dos tribunais foram obviamente as transições de governos autoritários para governos democráticos e começaram muito antes da década de 1990. Ao longo do século XX, foi-se disseminando a ideia, pioneiramente avançada na Europa por Hans Kelsen na Constituição da Áustria de 1920, de que os governos democráticos devem estar efectivamente vinculados à Constituição por via de controlo jurisdicional. As transições democráticas mais significativas foram as que puseram fim aos seguintes regimes autoritários: o nazismo na Alemanha e o fascismo na Itália (1945-49); o fascismo em Portugal e na Espanha (1974-76); as ditaduras militares na América Latina (década de 1980); o comunismo dos países da Europa Central e de Leste (1989 e anos seguintes); o apartheid na África do Sul (1993-1996). O desempenho dos tribunais no controlo constitucional posterior às transições tem sido desigual. A instabilidade política de algumas delas fez com que, por exemplo, na Rússia, Boris Yeltsin suspendesse por decreto o TC em 1993 e que, na Argentina, Carlos Menem aumentasse de 5 para 9 o número dos juízes do TSJ, a fim de poder garantir uma maioria de juízes cordatos. Em muitos outros casos, o desempenho tem constituído um contributo importante para a consolidação dos regimes democráticos. Na década de 1990, o TC da Hungria era o órgão do Estado mais respeitado pelos cidadãos, por garantir a irreversibilidade da transição para a democracia. Na África do Sul, os líderes políticos (Mandela e de Klerk) que negociaram o fim do apartheid deixaram intencionalmente por resolver algumas questões políticas para que fossem assumidas pelo TC e, na maioria dos casos, o tribunal não se furtou a essa tarefa.

O outro conjunto de factores que tem ditado o maior protagonismo e visibilidade dos tribunais superiores tem a ver com a omissão política ou mesmo crise de legitimidade dos outros órgãos de soberania, o Legislativo e o Executivo. A omissão política pode resultar de impasses entre as forças políticas no Governo e na oposição ou da falta de prioridade atribuída por essas forças a certas matérias importantes para grupos de cidadãos e contempladas na Constituição.

Foi esta omissão que levou o TC da Colômbia, criado pela Constituição de 1991, a protagonizar uma brilhante jurisprudência intercultural (direitos dos povos indígenas) que serve hoje de modelo para toda a América Latina. A crise de legitimidade dos outros órgãos de soberania pode estar associada à corrupção, à crescente distância entre líderes políticos e cidadãos de que resultam decisões políticas irracionais e injustas, em violação patente de preceitos constitucionais. Foi dessa crise que os tribunais italianos emergiram na cena pública, na década de 1990, protagonizando a maior investigação criminal contra a classe política e empresarial da Europa do pósguerra. Esta acção judicial ficou conhecida por Mãos Limpas e envolveu centenas de personalidades conhecidas.

O terceiro factor do maior protagonismo dos tribunais diz respeito à crescente consciência dos direitos cívicos, políticos, económicos e sociais por parte dos cidadãos, associada à ideia de que as violações dos direitos são injustas e devem ser punidas e reparadas. Para que destas duas ideias resulte o maior protagonismo dos tribunais é necessário ainda (1) que os tribunais sejam independentes e o direito processual facilite o acesso, (2) que sejam corrigidas as assimetrias no acesso aos tribunais (nas nossas sociedades, tem menos acesso quem mais dele precisa), (3) que um número significativo de magistrados viva a paixão racional de contribuir para a democracia fazendo valer os direitos, mesmo que com isso tenha de correr alguns riscos. Enumero todas estas condições para mostrar que, por esta via, o protagonismo dos tribunais não é fácil. Mas a verdade é que tal protagonismo tem vindo a ser socialmente exigido com cada vez maior insistência, e as razões disto são complexas.

Primeiro, as agências internacionais e ONG de ajuda ao desenvolvimento nunca promoveram a luta pelos direitos por parte das classes populares com o medo de que essa luta despertasse impulsos socialistas que acabariam por ser aproveitados pelo "comunismo internacional". Foi só depois da queda do Muro de Berlim que o financiamento do sistema judicial e do acesso ao direito se transformou em prioridade internacional.

Além de não haver o perigo do "uso político" do acesso ao direito, era preciso virar os tribunais para as necessidades da economia de mercado. Segundo, a viragem neoliberal fez com que os governos se envolvessem em cada vez mais graves violações do direito e dos direitos. Sempre que os tribunais se mostraram acessíveis, os cidadãos não perderam a oportunidade. O caso mais notável é o do STJ da Índia, que tem ocupado um lugar privilegiado nas expectativas de cidadãos vulnerabilizados, ainda que nem sempre tenha correspondido a essa expectativa. Em tempos recentes, os tribunais brasileiros têm tido um papel significativo na efectividade de algumas políticas sociais, por exemplo, no domínio da saúde. O terceiro factor, e talvez o mais decisivo nos próximos anos, é o inconformismo dos cidadãos perante a eliminação dos direitos sociais e económicos quando os media lhes mostram todos os dias como mesmo em situação de crise os ricos e os super-ricos não cessam de acumular riqueza. A violação dos direitos passa a ser vista como o outro lado do sequestro da democracia e os tribunais passam a ser as instâncias de penúltimo recurso, antes da explosão social.

Boaventura de Sousa Santos
Director do Centro de Estudos Sociais, Laboratório Associado, da Universidade de Coimbra
Público | 24-08-2013

Fonte: Revista digital IN VERBIS

Wednesday, August 14

As incompatibilidades eleitorais e a judicialização da política


Os tribunais foram empurrados e envolvidos para um jogo partidário que não lhes pertence e que não querem, mas que, por força das suas competências, têm que decidir.
Em Março passado alertámos publicamente para o problema jurídico da lei das incompatibilidades eleitorais e o desgaste que a indefinição legal iria provocar sobre a atuação dos tribunais.
Invocámos, então, a tentativa de judicialização da política que a questão iria suscitar.
Em pleno processo eleitoral, as primeiras decisões confirmaram o que então se previu. Há decisões a interpretar a lei de determinada forma e há decisões a interpretar a mesma lei de forma contrária.
Argumenta-se e comenta-se a judicialização da política por via das decisões judiciais tomadas.
Se, juridicamente, nada há de estranho nestas decisões, tendo em conta a elaboração dúbia da lei e o princípio da independência dos tribunais, os cidadãos dificilmente compreendem estas situações e as suas perplexidades naturais recaem sobre os juízes que, de forma diferente, interpretam a mesma lei.
O que acontece é que o legislador quis provavelmente que fosse este o resultado de uma lei que todos sabiam que viria provocar esta situação.
Deixando, propositadamente, aos tribunais, o ónus de interpretar uma lei que o legislador não quis oportunamente clarificar, remeteu-se para a justiça uma decisão que tem um reflexo político-partidário imediato e que poderá servir como justificação para derrotas ou vitórias partidárias e concretamente para um "saldo" político que convém a muitos.
Os tribunais foram empurrados e envolvidos para um jogo partidário que não lhes pertence e que não querem mas que, por força das suas competências, têm que decidir.
Os juízes, aplicando a lei, decidem, juridicamente e sempre de forma livre e independente, ainda que de forma diversa. Sejam as leis bem ou mal feitas!
Os tribunais cumprem as leis e a Constituição. Os resultados eleitorais estarão nas mãos dos cidadãos e só nestes.

José Mouraz Lopes, Presidente da ASJP | Público | 14-08-2013

Fonte: Revista digital IN VERBIS


Monday, August 12

ESCLARECIMENTO SOBRE PENSÕES DE JUÍZES E DIPLOMATAS


O Gabinete do Secretário de Estado da Administração Pública esclareceu, a propósito de uma notícia publicada em diversos jornais diários, referindo que juízes e diplomatas não seriam abrangidos pelos cortes de 10% nas pensões do Estado, que estes pensionistas «não podem ser sujeitos, em simultâneo, a medidas de redução de remunerações e de pensões aplicáveis, respectivamente, a trabalhadores no activo e a pensionistas», o que «seria uma dupla penalização, dificilmente sustentável do ponto de vista dos princípios de equidade que devem presidir à conformação deste tipo de medidas de reforma».

«As pensões dos referidos grupos de beneficiários estão, por motivos de indexação às remunerações no activo, automaticamente sujeitas a medidas de redução remuneratória, ou outras, que impendem sobre os trabalhadores no activo do sector público. Por força desta circunstância, estes beneficiários tiveram o valor da respectiva pensão diminuído pela aplicação da redução remuneratória (até 10%) imposta pela Lei que aprovou o Orçamento de Estado para o ano de 2011 e mantida nos anos seguintes», refere o esclarecimento, acrescentando que «as pensões destes beneficiários estão sujeitas a todas as medidas que possam vir a ser adoptadas futuramente em matéria de política remuneratória aplicável aos trabalhadores no activo do sector público».

As notícias referem-se a um anteprojeto de proposta de lei «que reforça os mecanismos de convergência das regras de cálculo das pensões aplicáveis aos beneficiários da Caixa Geral de Aposentações para as regras previstas no Regime Geral de Segurança Social, ontem enviada aos Sindicatos, refere explicitamente que não são alteradas as pensões "automaticamente actualizadas por indexação à remuneração de trabalhadores no activo líquida de quotas para aposentação e pensão de sobrevivência"».

Nesta situação estão «alguns grupos de pensionistas que, por força dos seus estatutos específicos, têm o valor da sua pensão automaticamente indexada à remuneração da respetiva categoria profissional no ativo, tendo por fundamento circunstâncias especiais associadas à sua situação de pensionista, nomeadamente, os juízes jubilados e os funcionários diplomáticos com a categoria de embaixador ou de ministro plenipotenciário jubilados».

De facto, os estatutos dos magistrados judiciais e dos funcionários do serviço diplomático referem:

«Estatuto dos Magistrados Judiciais - Lei n.º 21/85, de 30 de Julho

Artigo 67.º - Jubilação

6 - A pensão é calculada em função de todas as remunerações sobre as quais incidiu o desconto respetivo, não podendo a pensão líquida do magistrado judicial jubilado ser superior nem inferior à remuneração do juiz no ativo de categoria idêntica.

7 - As pensões dos magistrados jubilados são automaticamente atualizadas e na mesma proporção em função das remunerações dos magistrados de categoria e escalão correspondentes àqueles em que se verifica a jubilação.

Estatuto profissional dos funcionários do quadro do serviço diplomático - Decreto-Lei n.º 40-A/98, de 27 de Fevereiro

"Artigo 33.º - Aposentação e jubilação

2 - Serão considerados jubilados os funcionários diplomáticos com a categoria de embaixador ou de ministro plenipotenciário que, reunindo os requisitos legalmente exigíveis para a aposentação e contando mais de 30 anos de serviço efectivo na carreira diplomática, passem àquela situação por motivos não disciplinares.

5 - As pensões de aposentação dos funcionários diplomáticos jubilados serão automaticamente actualizadas em percentagem igual à do aumento das remunerações dos funcionários diplomáticos no activo de categoria e escalão correspondentes aos detidos por aqueles no momento da jubilação.»

A recusa da dupla penalização foi expressa «em diversas decisões judiciais a propósito da aplicação, em 2011, da redução remuneratória (de 10%) aos juízes jubilados, com a aplicação, em simultâneo, da Contribuição Extraordinária de Solidariedade (CES). Foram, com base nessas decisões, estes pensionistas retirados do âmbito de aplicação da CES, mantendo-se, naturalmente, no âmbito de incidência das medidas de restrição salarial aplicáveis aos trabalhados no activo».

(2013-08-07 às 12:26)

Fonte: Site do Ministério das Finanças


Tuesday, August 6

Números é que contam


Joana Salinas, desembargadora da Relação do Porto, abandonou a magistratura após 30 anos de carreira.

Correio da Manhã – Quais os motivos que a levaram a abandonar a magistratura?

Joana Salinas – Pedi uma licença sem vencimento por duas razões: a primeira foi porque decidi abraçar um projeto na política, apoiando a lista do PS à Câmara de Matosinhos; a segunda foi porque sentia falta do contacto com as pessoas. O trabalho no Tribunal da Relação é importante, mas a verdade é que só lidamos com papéis.

Considera que juízes mais experientes fazem falta no terreno?

Sem dúvida nenhuma. Acho que juízes como eu, com décadas de experiência, deviam poder continuar a julgar processos, pelo menos os mais complexos. É um desperdício para a Justiça os juízes estarem fechados em gabinetes.

Uma das suas lutas sempre foi o combate contra o crime da violência doméstica. Considera que a Justiça ainda falha nesse campo?

Continuam a existir mortes porque nem todos os mecanismos funcionam ainda, infelizmente. O legislador continua também a tratar a violência doméstica como um crime menor. Basta vermos que os julgamentos agora são realizados em tribunal singular, apenas por um juiz, quando até há pouco tempo eram em coletivo, com três juízes. Isto revolta-me.

Considera que os juízes atualmente são mais pressionados, no sentido de tomarem decisões de forma mais célere?

Atualmente os juízes e procuradores estão sobrecarregados de processos e o objetivo de quem nos avalia não é ver se fizemos bem ou mal, o que contam são os números. Existem julgamentos que demoram mais tempo e, quando isso acontece, não se despacham tantos processos, as estatísticas então baixam e o Conselho não gosta nada disso.

Que mudanças, na sua opinião, deveriam ser efetuadas na Justiça?

No meu entender deveriam existir juízes especializados para certo tipo de crimes como violência doméstica e abusos sexuais. Infelizmente não temos formação nessas áreas, a que tenho foi paga do meu bolso.

Fonte: Correio da Manhã 05.08.2013


Saturday, August 3

Legislar mal


Os portugueses têm tomado conhecimento de diversas decisões dos tribunais sobre a questão da possibilidade electiva dos presidentes "de/da" Câmara que nas próximas autárquicas tenham já concluído três mandatos.

Trata-se de matéria controversa que chegou à barra dos tribunais por o poder legislativo, em tempo útil, não a ter querido resolver. A ambiguidade da norma que estabelece a condicionante electiva dos presidentes camarários poderia, e deveria, ter sido esclarecida pelo legislador.

Este é um exemplo de como se legisla mal, endossando para o poder judicial o esclarecimento de um má redacção, que pode dar azo a várias interpretações, atribuindo-se à decisão judicial uma opção política. O poder político prestou um mau serviço à democracia e às suas instituições. Ao invés de se afirmar que o poder judicial invade o poder político, convirá questionar se não será antes este último que, em certas situações politicamente mais melindrosas e sensíveis, ‘lava as mãos’, remetendo para os tribunais a ingrata tarefa de as decidir, endossando a sua responsabilidade.

Sousa Pinto, Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa

Fonte: Correio da Manhã 03.08.2013


Friday, June 7

Aberta a caça à multa? Governo quer mais receitas com infracções nas estradas.


Executivo quer garantir mais um milhão e meio de euros com as infracções ao Código da Estrada, segundo o Orçamento Rectificativo.

As violações do Código da Estrada renderam menos dinheiro no ano passado, mas o Governo quer aumentar as receitas por esta via, em 2013.

Em 2012, as multas valeram cerca de 84 milhões de euros. Deste valor, 37% (pouco mais de 28 milhões de euros), reverteram para o Estado. Para este ano, o objectivo é mais ambicioso: o Governo quer arrecadar 85,4 milhões de euros em multas de trânsito.

O valor está previsto no Orçamento Rectificativo, que esta sexta-feira é discutido na Assembleia da República.


Fonte: Renascença, 07.06.2013.


Saturday, April 27

Os direitos adquiridos nos contratos das PPP



Nas últimas semanas a actividade governamental tem sido intensa. Realizou um Conselho de Ministros, pela madrugada fora, e no dia seguinte foi-nos apresentado um conjunto de decisões por um conjunto de ministros de que retirei, por junto, uma ou duas medidas com significado: uma a de "requalificar" o pagamento de duodécimos que já estavam em curso e a outra a de "renegociar" os contratos das parcerias público-privadas (PPP), com o objectivo de poupar mais uns poucos milhões de euros. Foi concretizada, entretanto, uma outra fase da remodelação em curso e foram tomadas, mais recentemente, decisões na área da agora redenominada "agenda para o crescimento". Algumas das propostas conhecidas merecem o nosso aplauso. Assim seja possível dar-lhes aplicação prática.
Mas de toda esta azáfama fiquei com a convicção de que no domínio da renegociação das ditas PPP seria necessária uma reflexão mais aprofundada, nomeadamente no que se refere ao que me tem parecido ser uma certa incompreensão dos "direitos adquiridos", na medida em que parece ser entendimento governamental, e não só, que este conceito deve ter aplicação exclusiva no âmbito destes contratos.
Vejamos! Os direitos adquiridos, com maior ou menor recorte e fundamento civilizacional, deram os primeiros passos na Grécia Antiga, desenvolveram-se na civilização romana e adquiriram as bases científicas e culturais segundo o paradigma do racionalismo com a Revolução Francesa, tendo sido alargados e aprofundados com a consolidação do Estado social.
Os direitos adquiridos são "o produto final de uma civilização avançada que se estruturou à volta da teoria do pacto social". (juiz- -conselheiro Noronha do Nascimento em discurso proferido em Janeiro de 2012).
Mas o direito, que é obra do homem e das suas circunstâncias, ao longo da história, contempla e consagra regras legitimadoras para o "rompimento" deste pacto social.
O direito português, que assegura a regra do pacta sunt servanda, determina também que o mesmo pode sofrer derrogações sempre que se verifiquem alterações supervenientes tidas como legitimadoras do não cumprimento.
Foi com fundamento nestas alterações supervenientes que alguns contratos entre o Estado e os cidadãos deixaram de ser cumpridos (temporariamente, é certo), ou seja, os direitos adquiridos a uma pensão ou reforma, a um período de férias remunerado, a um salário definido, a um subsídio de doença ou outro, ficaram "suspensos" quanto à sua aplicação por decisão unilateral do Estado.
E é de direitos adquiridos em sentido técnico de que falo, não é de expectativas juridicamente tuteladas.
Os cidadãos ficaram, assim, privados do cumprimento integral da prestação a que o Estado se havia vinculado através de contrato social firmado de forma livre e não condicionada.
Os portugueses aceitaram esta situação; compreenderam, na verdade, que as condições de emergência económica e financeira eram pressupostos válidos para, da sua parte, aceitarem as limitações decorrentes da alteração superveniente das circunstâncias.
Este princípio não foi, todavia, aplicado a todas as situações, pelo menos de que se tenha conhecimento.
Refiro-me aos contratos das PPP. Numa primeira fase parece ter sido negociada a diminuição de preços pela via da não realização de alguns trabalhos, assumindo o Estado a sua concretização. Tratou-se, pois, de um acerto bilateral entre as partes. Legitimo, naturalmente!
Mas este processo negocial vai ser "retomado" no sentido de ser alcançada uma nova poupança. Aplaudo, mas não compreendo esta decisão!
O outro sujeito desta relação contratual é titular de direitos adquiridos? Admito que sim. O que não compreendo é que a regra que legitimou a ruptura - temporária - dos contratos celebrados com os cidadãos não seja também apta a legitimar o mesmo procedimento no domínio destes contratos, na medida em que a rentabilidade financeira assegurada aos mesmos no tempo em que foram celebrados foi fundada em circunstâncias cuja alteração foi superveniente, a mim me parece evidente.
Do que escrevi, o que é que não compreenderam?...

CELESTE CARDONA

Fonte: Diário de Notícias de 25.04.2013


Thursday, March 28

As poderosas firmas de advogados


A legislação mais importante, a de maior relevância económica, já não é elaborada no Parlamento, como deveria, mas sim nas grandes sociedades de advogados.

Estas têm sido contratadas pelos sucessivos governos para produzir leis nas áreas do urbanismo e do ordenamento do território, da construção, ou até de toda a contratação pública.
Por norma, estas poderosas firmas produzem maus diplomas, que sempre padecem de três falhas. Têm inúmeras regras, para que ninguém as perceba, muitas excepções para beneficiar os amigos; e, ainda por cima, atribuem um enorme poder discricionário a quem as aplica, o que evidentemente convida à corrupção.
De seguida, estas sociedades ainda emitem pareceres para as mais diversas entidades, a explicar as omissões de que eles próprios são os responsáveis. E voltam a ganhar milhões.
E, finalmente, ainda podem ir aos grupos privados vender os métodos de ultrapassar a Lei, através dos alçapões que eles próprios introduziram na legislação.
Ganham assim em três carrinhos. Mas o povo, esse, perde em toda a linha.


Paulo Morais

Fonte: Renascença 25.03.2013

Wednesday, March 13

Sistema de Informações da República Portuguesa - Designação de dois cidadãos



Resolução da Assembleia da República n.º 30/2013

Eleição de dois membros para o Conselho de Fiscalização
do Sistema de Informações da República Portuguesa

A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição e do n.º 2 do artigo 8.º da Lei Quadro do Sistema de Informações da República Portuguesa (Lei n.º 30/84, de 5 de Setembro, alterada e republicada pela Lei Orgânica n.º 4/2004, de 6 de Novembro), designar como membros do Conselho de Fiscalização do Sistema de Informações da República Portuguesa os seguintes cidadãos:

Paulo Cardoso Correia da Mota Pinto.

João Barroso Soares.

Aprovada em 8 de Março de 2013.

A Presidente da Assembleia da República, Maria da Assunção A. Esteves.

Publicada no Diário da República, I Série, de 13 de Março de 2013.


Monday, March 11

Os tribunais e o estado da República III


A arbitrariedade lusa a fixar as indemnizações é tal que não alcanço como é que o legislador nunca retirou tal poder aos nossos juizes.

A honra de alguns, quando ferida, é compensada pelos tribunais portugueses com centenas de milhares de euros. Ficamos cientes de que a honra é uma coisa séria… pelo menos em alguns casos.

É que se for exactamente a mesma honra, mas de “qualquer um do povo”, a ser violentada, mesmo que seriamente, mesmo que através de mentiras sórdidas que o desacreditem de vez, mesmo que através de uma bateria de artigos na imprensa durante meses, conseguir 5 ou 6 mil euros já será um feito.

Nestes casos ordinários invoca-se a doutrina mais sábia para justificar que uma injúria, ou uma difamação, são bagatelas penais – daí terem as penas mais pequenas do sistema português…

Três e seis meses de pena de prisão, ou multa, respectivamente. Afinal para o vulgo a honra não é coisa séria. É a igualdade republicana! E quanto aos critérios jurisprudenciais de valoração da honra ferida, ficamos conversados.

Aliás, os critérios dos tribunais portugueses para fixar indemnizações, em geral, são particularmente interessantes, pois funcionam como não critérios: são ao gosto do freguês, sendo aqui o freguês quem arbitra a indemnização.

Se quem quer que seja se vê prejudicado, luta anos a fio nos tribunais, não só contra o réu da acção, mas principalmente contra o julgador, que por princípio desconfia de quem o incomoda com o petitório. E se os danos invocados forem “morais” (como diz o povo), então a luta ainda é mais titânica Sofreu? Zangou-se? Chorou? Deprimiu-se? Ó senhor! Não seja piegas…

Ao fim e ao cabo todos temos por vezes de ver e ouvir o que não queremos, dirá o réu, acolitado pela justiça, desconfiada de que a ofensa não ofendeu assim tanto. E o lesado fica assim com duas dores: a da lesão inicial e a da injustiça com que o sistema judicial o trata ao considerar que fingiu as mágoas alegadas.

A arbitrariedade lusa a fixar as indemnizações é tal que não alcanço como é que o legislador nunca retirou tal poder aos nossos juizes. Fixava em tabela legal o “preço” mínimo de cada tipo de dano “moral”. E tal valor só poderia ser alterado por prova de mais danos. Tal não acontecendo, encontramos vidas humanas a valerem menos que a honra de alguns, a perda de uma perna a ser mais irrelevante que uma unha encravada de outros, a dor de uma grávida que perde o feto menos expressiva que uma atoarda jornalística num pasquim de quinta.

E é aqui mais um ponto em que o sistema falha: só se pode confiar discricionariedade quando há garantias de que não se transforma em arbitrariedade. Só se podem conferir poderes quase ilimitados – e na verdade materialmente incontroláveis, pois os recursos são por regra o que são – a quem se mostra ser prudente. Por isso tremo cada vez que oiço, ou leio, alguém a querer atribuir maiores poderes aos julgadores.

Razão tinham os franceses, na sua Revolução de setecentos: o juiz deve ser a boca que pronuncia as palavras da lei… mais do que isso, digo eu, só com caução.

Saragoça da Matta (Advogado, escreve à sexta-feira)

Fonte: Jornal I, 01.03.2013. 

Monday, February 18

Momentos infelizes


No exercício de cargos do Estado exige-se prudência. A afirmação da PGR no Parlamento, de que "poderia introduzir-se um mecanismo de maior sanção disciplinar quando os juízes não cumprissem prazos além dos 3 ou 6 meses" e que, "sempre que houvesse um atraso destes, haveria abertura de um inquérito", representa um momento infeliz neste seu ainda curto mandato.

Infeliz, por provir de quem sabe que os juízes são inspeccionados periodicamente e que os atrasos são elemento determinante, levando à instauração de processos disciplinares, sujeitos a um controlo do CSM.

Infeliz, porque é dito por quem sabe que os atrasos na Justiça não derivam, em regra, da actuação dos juízes, e que, segundo as palavras do insuspeito Prof. Nuno Garoupa, se a Justiça ainda anda é porque os juízes a carregam às costas.

Infeliz, porque num momento de reformas era desejável tranquilidade, expurgada de afirmações capazes de reacender divergências.

Infeliz, porque parece centrar as problemáticas existentes na Justiça numa única classe, excluindo as demais.

Sousa Pinto, Vice-presidente TRL

Correio da Manhã 16-02-2013 (via IN VERBIS)

Sunday, February 17

Os atrasos dos juízes


As sondagens nacionais têm revelado que os juízes e os magistrados do Ministério Público chegam a ultrapassar pela negativa, em níveis de popularidade, os políticos (que tra- dicionalmente detinham os piores resultados). Uma das causas desta má reputação da nossa Justiça, que afeta a imagem do próprio Estado de Direito, é a morosidade dos processos judiciais.

Uma Justiça que se arraste para além de um horizonte temporal razoável deixa de ser justa. Esta afirmação vale tanto em matéria civil como em matéria penal. Tal como observava o Barão de Montesquieu, há já perto de trezentos anos – em ‘Do espírito das leis’ –, muito mais importante do que a gravidade das penas é a certeza e a celeridade da punição.
É neste contexto que se compreende a proposta feita pela Procuradora-Geral da República, no âmbito de uma audição parlamentar sobre a reforma do Código de Processo Civil. Segundo essa proposta, deveria instaurar-se um processo pré-disciplinar de averiguações ou inquérito sempre que os juízes excedessem em mais de três ou seis meses prazos processuais.
É claro que a proposta de instauração automática de um processo pressupõe, no entanto, uma relativa ineficácia das inspeções a que são sujeitos os juízes. Essas inspeções deveriam ser, na verdade, a sede própria para detetar atrasos processuais e apurar as suas causas, determinando, sempre que isso se justificasse, o apuramento de responsabilidades.
De todo o modo, a automaticidade não pode permitir, em caso nenhum, a instauração de processos disciplinares ou a punição de juízes de acordo com um princípio de responsabilidade objetiva e abstraindo da sua responsabilidade pessoal pelos atrasos. Tal solução violaria gravemente o princípio da culpa, decorrente da essencial dignidade da pessoa humana.
Por outro lado, pior ainda do que a morosidade processual seria a precipitação e a arbitrariedade no julgamento dos processos. Sem pactuar com atrasos injustificados e violações grosseiras do dever de zelo, devemos reconhecer que a "pressa" é má conselheira. Julgamentos "sumários" e sentenças irrecorríveis estão na origem de conhecidas iniquidades.
Por esta razão, é muitíssimo duvidosa, por exemplo, a solução de alargar o processo sumário a todos os crimes. Pode um crime com a gravidade do homicídio qualificado, por exemplo, ser julgado sem fase de inquérito e por um só juiz, mesmo que haja flagrante delito – que, entre nós, abrange detenções feitas por quaisquer pessoas em flagrante delito presumido?

Fernanda Palma, Professora Catedrática de Direito Penal


Fonte: Correio da Manhã de 17.02.2013

Wednesday, February 6

Críticas internas são «bota abaixismo eleitoralista»


Disse o Bastonário da Ordem dos Advogados, Marinho Pinto.

O bastonário da Ordem dos Advogados (OA) classificou esta terça-feira de «bota-abaixismo eleitoralista» as críticas que foram feitas pelo facto de a Ordem ter solicitado um parecer, sobre a questão dos Estatutos da classe, a um conhecido escritório de advogados de Lisboa.
 
«São críticas oportunistas que se inserem no bota abaixismo eleitoralista de alguns proto-candidatos a bastonário», disse Marinho Pinto aos jornalistas, à saída da Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais, onde foi ouvido sobre a proposta de reforma do Código de Processo Civil.
 
Marinho Pinto salientou que «não vai divulgar publicamente», pela comunicação social, o custo do parecer, mas esse dado constará dos documentos da OA, que podem ser consultados por qualquer advogado.
 
O bastonário precisou que o pedido foi feito a um advogado do escritório da sociedade de Sérvulo Correia, e considerou o ruído nos jornais, que isso provocou, um «bota abaixismo eleitoralista de pessoas que têm mais ambições do que ideias» e que utilizaram essa questão para «aparecer» na comunicação social.
 
Quanto ao recente pedido do Conselho Distrital de Lisboa (CDL) da OA para a convocação, pelo Conselho Geral (presidido pelo bastonário), de uma assembleia geral extraordinária para discutir a alteração estatutária da classe, Marinho Pinto enfatizou que só o Conselho Geral e o Congresso dos Advogados têm competência para discutir os Estatutos, e que a Assembleia Geral não possui essa competência, pelo que seria «ilegal».
 
«O Congresso é o principal órgão da OA», sublinhou Marinho Pinto, que anteviu que o Congresso se possa vir a realizar em Junho. «Vamos ver quem tem medo do Congresso», disse.
 
Na última quinta-feira, o presidente do CDL da OA, Vasco Marques Correia, considerou que o anteprojeto de Estatuto da Ordem «menoriza a advocacia portuguesa» e «não resolve a magna questão do acesso à profissão».
 
Fonte: TVI, 06.02.2013

Saturday, February 2

Justiça


Com a abertura de mais um ano judicial, o desejo de pôr fim à impunidade na Justiça sobe de tom. Esta tem sido, aliás, uma das bandeiras da ministra Paula Teixeira da Cruz: acabar com os truques legais que permitem o adiamento ‘ad aeternum’ das decisões judiciais.

A justiça só é completa quando célere e, sendo esta uma das funções primordiais do estado, a sua concretização é indispensável.

Ora, este é o grande problema com que nos deparamos: para a classe política, predominantemente socialista, a Justiça perdeu para as políticas económicas a primazia entre as funções do estado. Um Estado interventivo tem de regulamentar e impor regras. Ao fazê-lo, e na medida em que decide, sujeita-se às pressões dos grupos que dependem das suas deliberações.

A pressão na elaboração das lei torna-se insuportável e, em vista de a ninguém querer desagradar, transforma-as numa amálgama de preceitos, tantas vezes contraditórios e de nulo efeito, devido aos que sabem encontrar o pretexto que as neutralize. A impunidade de que tantos falam na Justiça nasce daqui: do excesso de leis, que advém da escolha dogmática do Estado ser um actor principal em todas as áreas. Alargando as suas funções, o Estado deixou-se manietar e esqueceu a importância de fazer leis gerais e abstractas. Simples e isentas.

Outra causa são as barreiras no acesso às profissões jurídicas. Ao contrário de outrora, um advogado não foi magistrado, nem este advogado ou notário. Um juiz é juiz desde os 25 anos. A falta de troca de experiências tolhe o conhecimento e as leis reflectem isso mesmo: falta de sensibilidade para as diferentes perspectivas do Direito. Os campos estão de tal forma fechados, que as leis se tornam deficientes por não abarcarem todas as suas possíveis aplicações; não terem em conta as diferentes perspectivas de quem as utiliza. Este estancamento das profissões jurídicas impede o fluir da experiência, hostiliza-as umas contras as outras e explica em muito a falta de qualidade das leis.

André Abrantes Amaral, Advogado.

Fonte: Diário Económico, 01.02.2013.

Mapa judiciário - Justiça em contentores



Paula Teixeira da Cruz quer fazer obras de requalificação em 102 tribunais. Enquanto decorrerem as obras, alguns dos tribunais vão funcionar em prefabricados.
Concluídas até ao final do ano, a tempo da implementação do novo mapa judiciário, que ocorrerá em janeiro de 2014 na maior parte das comarcas, estarão as intervenções em 76 edifícios, ficando apenas as de maior envergadura para terminar depois.
Enquanto as obras decorrerem, alguns serviços judiciais funcionarão em prefabricados, uma solução que, ao que a VISÃO apurou, está a ser equacionada para as comarcas de Bragança, Castelo Branco, Évora, Faro, Leiria, Funchal, Portalegre, Setúbal e Vila Real.
Mas também casos, como os de duas secções do Tribunal de Família de Coimbra e do Palácio da Justiça de Évora, que continuarão a funcionar no mesmo local, com as obras a decorrer. Já em dezembro, durante as Jornadas para a Transparência na Justiça, Paula Teixeira da Cruz anunciara um investimento de 29 milhões de euros na requalificação dos tribunais.
A ministra da Justiça falou então em 86 obras necessárias devido ao mau estado de conservação das instalações. «Temos orçamento, apesar das dificuldades», avançou na altura, sublinhando que essas obras se destinam a evitar «desperdício de dinheiros na construção de tribunais em locais onde não se justificam».
Também no final do ano passado, um relatório da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) dava conta das más condições de higiene e segurança de alguns tribunais de 1ª instância, sobretudo no Norte do País.
Mouraz Lopes, o presidente da ASJP, considera a instalação provisória em prefabricados «uma situação normal» dada a sua natureza «transitória e conjuntural» e dá o exemplo do Tribunal do Montijo, o qual esteve até há pouco a funcionar em circunstâncias semelhantes.
Também no entender do presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais, as intervenções são necessárias para implementar o novo mapa judiciário. «Vai haver uma revolução total do País e julgo que deverá ser em função disso que as obras serão realizadas», afirma Fernando Jorge.
Contactado pela VISÃO, o gabinete da ministra diz que o grupo de trabalho incumbido de definir o calendário das obras ainda não acabou o seu estudo, mas as de maior vulto serão nas comarcas do Funchal, Castelo Branco, Vila Real, Loures, Faro e Setúbal.

Sara Belo Luís | Visão | 31-01-2013

Fonte: Revista Digital IN VERBIS

A abertura do ano judicial


Estou a escrever este texto antes da realização oficial da abertura do ano judicial. Desconheço, pois, o teor das intervenções que vão ser proferidas nesta cerimónia.
Mas, como sabem, já nela participei, umas vezes em silêncio e outras vezes discursando. Devo confessar que, em todas essas ocasiões, fiquei com uma sensação de "desconforto".
Sei que se trata de uma "tradição", mais do que isso, de uma sessão cuja realização está prevista na lei. É uma "festa da justiça". Mas parece que ficamos sempre à espera de mais! Mais do que discursos, mais do que meras afirmações, previsões e, nalguns casos, críticas que nesta cerimónia normalmente são produzidas.
Terminada a "abertura", encerrados os discursos e os cumprimentos, nada mais acontece. É uma sensação de vazio consequencial!
Pergunto-me, neste ano, se é possível mais... Não creio. Mas creio que, pelo menos, é legítimo pensar sobre o que poderia ser e representar esta cerimónia de tanto "peso" institucional e em que estão presentes todos e os mais altos responsáveis pela política de justiça no nosso país.
A justiça, neste momento, está "apaziguada". Segundo notícias veiculadas pela comunicação social, estão em curso reformas, nomeadamente do processo civil e do mapa judiciário, relativamente às quais parece haver algum consenso junto dos respectivos operadores judiciais. Bom trabalho da ministra da Justiça!
É claro que este consenso deve ser entendido nos seus precisos termos. Sempre haverá críticas e novas propostas. Sobretudo se pensarmos que, no primeiro caso, vai ocorrer uma profunda mudança de paradigma na aplicação do processo.
O juiz controlador/coordenador/gestor da tramitação processual do velho código de Alberto dos Reis parece que vai passar a ser o pivô central do processo.
Trata-se de uma solução para os novos tempos e para a nova cultura, nomeadamente de todos os que nela intervêm. O problema é saber se esta profunda mudança de filosofia é susceptível de ser apreendida e aplicada agora e sem mais.
Recordo que os anteriores códigos de processo levaram mais de um ano antes da respectiva entrada em vigor. Era necessário preparar os agentes e dotar de meios as instituições.
A afirmação da importância desta reforma exige que a sua aplicação, no tempo e no modo, possa ser realista, ou seja, possa ser posta em prática, apenas e logo que estejam verificadas as condições para o efeito. As reformas na justiça não são, como alguns pensam, de aplicação imediata e rápida. Sei do que falo, por experiência vivida!
Se da abertura do ano judicial resultar que, neste âmbito, vai ser possível, do ponto de vista "operacional", revisitar o problema e verificar se estão preenchidas todas as condições para que o código, que assimila novos paradigmas e filosofia, possa com toda a segurança e certeza entrar em vigor no tempo certo, a meu ver seria um bom resultado desta cerimónia.
É que, não posso deixar de sublinhar, persiste uma ideia bastante perigosa que pode pôr em causa os princípios fundamentais do sistema jurídico, que são os da certeza e segurança jurídica. Cada vez que um problema, uma situação, um caso parecem não ter solução, logo vem a resposta: faz-se uma lei!
Estamos... Portugal está "pleno" de leis. Temos, todos o dizem, dos melhores sistemas normativos da Europa. Mas também todos o dizem e, sobretudo, sentem que não temos um sistema normativo perene, certo e seguro.
Tem mudado ao sabor das políticas, dos "casos" das "insuficiências" das "ditas omissões" legislativas, da mediatização, da falta de enquadramento legal, enfim... uma panóplia de razões que habitualmente são invocadas, não para melhorar, aperfeiçoar, corrigir, dotar de meios e recursos os operadores, mas, ao contrário, para fazer mais uma lei!
Não é de mais leis que precisamos. Precisamos de aplicar e aplicar bem as leis que existem. E quanto mais existem, menos boa é a sua aplicação!
Se os discursos proferidos abordarem também esta problemática, pela minha parte, diria que a cerimónia terá cumprido a sua missão!

Celeste Cardona

Fonte: Diário de Notícias de 31.01.2013

Tuesday, January 29

Segurança Social queria retirar à mãe crianças encontradas mortas em Oeiras




Família estava sinalizada pela Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de Oeiras e a Segurança Social queria retirar os filhos à mãe.

A Segurança Social (SS) garantiu hoje que emitiu um parecer favorável para que fossem retiradas à mãe as duas crianças encontradas mortas no interior de um carro, domingo à noite, em Oeiras, distrito de Lisboa.
Numa nota hoje divulgada, a Segurança Social afirma que, "a 23 de Janeiro 2013, teve lugar audiência judicial na qual foi aplicada a medida de promoção e protecção de 'apoio junto do pai', com efeitos imediatos, ficando também definido que as visitas da mãe aos filhos apenas se realizariam em casa de familiares e sob a sua supervisão".
No mesmo documento, a instituição acrescenta que, no âmbito de um processo de Promoção e Proteção no Tribunal de Família e Menores, os serviços da SS "acompanharam o caso, tendo emitido parecer de retirada das crianças à mãe", que viria a ser hoje encontrada morta a pouca distância da viatura onde estavam os filhos, de 12 e 13 anos, também mortos.
A família estava sinalizada desde 2012 pela Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) de Oeiras. O presidente da CPCJ de Oeiras disse que as duas crianças encontradas mortas num carro foram sinalizadas à instituição em 2012 e que o caso seguiu para tribunal.
"A situação foi-nos sinalizada em 2012 e nesse ano o processo seguiu para tribunal. Tentámos intervir, mas como não estavam reunidas todas as condições para que se pudesse agir, e como a instituição não pode atuar sem a autorização dos pais, o processo seguiu para o Tribunal de Família e Menores de Cascais", explicou João Belo, à agência Lusa.
Fonte ligada ao processo adiantou à Lusa que foi a PSP quem deu a indicação à CPCJ de Oeiras sobre a situação dos dois irmãos, de 12 e 13 anos, encontrados mortos no interior de um carro, nas imediações da Faculdade de Motricidade Humana, na Cruz Quebrada, Oeiras, na noite de domingo.
João Belo escusou-se, contudo, a dizer o mês em que essa sinalização foi feita, nem quando é que o processo seguiu para o tribunal. O responsável acrescentou ainda que não sabe se, entretanto, o tribunal terá tomada alguma decisão sobre o caso.

Vítimas vão ser autopsiadas 


Fonte policial disse anteriormente à agência Lusa que o corpo da mãe das crianças foi encontrado a pouca distância do veículo onde estavam os dois irmãos. As três vítimas vão agora ser autopsiadas para apurar as causas da morte.
A mesma fonte acrescentou que a avó, quando foi ouvida pelas autoridades, disse que a mãe das crianças tinha problemas de depressão.
"As crianças estavam no banco traseiro de um carro tapadas com uma capa amarela. Não apresentavam ferimentos e no local havia bolos, o que pode dar a entender que foram envenenados", explicou outra fonte policial, à Lusa.
As autoridades policiais foram alertadas, cerca das 19:30 de domingo, por um segurança, o qual informou que se encontrava, desde o dia anterior, uma viatura nas imediações dos dormitórios da faculdade.
"Quando lá chegaram, os polícias encontraram um corpo debaixo de um oleado no interior do veículo, com vestígios de sangue. Depois de destaparem, constataram tratar-se de dois corpos", adiantou a mesma fonte.
Os agentes da PSP ficaram "impressionados" com o "cenário macabro", com o qual se depararam.

Fonte: Expresso, 28.01.2013.


Saturday, January 26

Juiz do Supremo Tribunal de Justiça admite direito "à não existência"


O juiz do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) Pires da Rosa admitiu que há em Portugal um “direito à não existência”, desde que foi aprovada a lei de descriminalização da interrupção voluntária da gravidez.

No acórdão sobre o caso de um bebé que nasceu sem braços e com várias outras deformações, que o impedem para sempre de ter uma vida independente e normal, Pires da Rosa admitiu, “em tese”, o “direito à não existência”.

Um direito que considera existir desde que a lei portuguesa consagrou a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, “colocando a vida, nesses precisos casos, nas mãos dos homens, mais especificamente da mulher/mãe”.

Segundo Pires da Rosa, aquele direito foi reforçado ainda mais recentemente, desde que a lei portuguesa “abriu as portas ao testamento vital”.

Naquele processo, uma clínica de radiologia de Matosinhos e o seu director clínico foram condenados ao pagamento de uma indemnização de 200 mil euros à mãe do bebé, por erro médico, uma vez que as ecografias não detectaram as deformações do feto.

A mãe pedia também uma indemnização para o bebé, por danos não patrimoniais.

Alegava que, “no interesse” do filho, deveria ter abortado, “evitando a vida de angústia e sofrimento” por que ambos os passam.

O STJ indeferiu esta indemnização, defendendo que, se fosse atribuída, se chegaria à conclusão que, afinal, poderá existir um “direito à não vida”, o que “poria em causa princípios constitucionais estruturantes plasmados” na Constituição, “no que tange à protecção da dignidade, inviolabilidade e integridade da vida humana.

No entanto, o juiz Pires da Rosa votou vencido nesta questão, já que defendia que o bebé tinha direito a ser indemnizado por danos não patrimoniais.

Sublinhou que as ecografias foram efectuadas no âmbito de um contrato celebrado entre uma clínica e uma mulher, “não uma qualquer mulher, mas uma mulher pejada, grávida”.

“A mãe e o seu feto – porque o feto é ainda mãe, enquanto não nascer com vida – foram atingidos no seu direito a poderem optar pelo não nascimento, por uma mesma e única violação contratual”, acrescentou.

Pires da Rosa lembra que a lei permite o aborto até às 24 semanas de gravidez.

“Ou se coloca nas mãos da mãe o direito de o exercer em representação do seu filho, que é ainda um feto, ou se subtrai por completo esse direito ao filho, em nome de cuja dignidade é exercido. Não é possível deixar para o tempo da capacidade do filho um direito que só existe enquanto o filho é ainda feto. Alguém tem que ter a capacidade do exercício do direito no tempo em que o direito pode ser vivido”, refere ainda a declaração de vencido.

Para Pires da Rosa, não tem cabimento considerar que indemnizar o filho é atingir a dignidade da sua pessoa, diminuindo-o na sua condição humana.

“Indignidade será, a meu ver, não lhe possibilitar, pela via indemnizatória, uma quantia que lhe permita suportar o enormíssimo encargo da sua condição, de uma forma mais digna”, defendeu.

Fonte: Público, 26.01.2013, através do blogue jurídico Lei e Ordem.